dica de filme ("Sem Amor")


Dica de Filme

Sem Amor
2017
Direção: Andrey Zvyagintsev



PROCURA-SE DESESPERADAMENTE UM POUCO DE AMOR 

As primeiras imagens de "Sem Amor" já remetem a algo frio, estático, sem sentimentos, sem vida. Não é por acaso. Logo após, vemos uma sequência aparentemente trivial, com alguns jovens saindo de uma escola, com destaque para um deles. E, é esse garoto que, ao passa pelos locais das primeiras imagens do filme, "desestrutura" o lugar, pegando um pano colorido, e jogando num galho de uma das várias árvores congeladas do local. É uma ótima metáfora para indicar um pouco de inocência num ambiente "frio" (em todos os sentidos).




O Garoto, em questão, chama-se Alyosha, e, aos poucos, vamos adentrando em seu núcleo familiar completamente desestruturado: pais que estão se divorciando, e que, ao mesmo tempo, são extremamente rudes com o menino. Uma das primeiras sequências, mostrando pessoas visitando a casa que está à venda para que haja a separação de bens, com a mãe sendo completamente estúpida no trato com o garoto são bem pouco sutis e incômodas. Mas, não fica somente nela. O pai é completamente ausente, e, sempre que pode, não trata o filho com delicadeza.

O descaso familiar com Alyosha é muito bem exposto ao abordar, por um longo período de tempo, os seus pais tentando levar as suas vidas normalmente, quase como se o menino não existisse. A mãe vive preocupada com a aparência e não larga o celular, sempre conectada às redes sociais. Já, o pai, agora com uma namorada, que já está grávida, possui um emprego instável, um lugar que, inclusive, não permite funcionários divorciados. Ambos, em geral, são bastante frios em seus cotidianos, só encontrando um pouco de afeto nos seus respectivos novos relacionamentos.




O filme, no entanto, que estava indo numa ótima narrativa, abordando com maestria o absurdo de uma negligência familiar, perde-se um pouco no momento em que explora, demasiadamente, a intimidade dos pais de Alyosha. São cenas de sexo até condizentes com a trama, porém, mal filmadas, com uma exposição desproporcional da nudez de uma das atrizes principais, além de diálogos longos e expositivos, que deixam a estória simplesmente chata. 

Contudo, após um fatídico (mas, esperado) acontecimento, a estória volta com uma tremenda força, e continua assim até o seu final, digamos, um tanto cru, mas, necessário e sem firulas.

O grande mérito de "Sem Amor" é abordar como estamos numa sociedade bastante preocupada com aparências, cercada de novas tecnologias, mas, incapaz de ensinar um homem e uma mulher a amarem o seu filho. 

Pode parecer uma visão maniqueísta de um tema meio pesado e complexo, mas, o roteiro aborda tudo de maneira bastante crível, inclusive, mostrando que a indiferença que gera uma brutal violência doméstica pode muito bem ser um ciclo, passado de geração para geração. 

A produção ainda reserva uma baita crítica ao estado da Rússia (país de origem do filme), onde instituições como a polícia, por exemplo, pouco ou nada ajudam o cidadão comum, que precisa lidar com uma indiferença e uma burocracia sem tamanho.




Mesmo com alguns deslizes no segundo ato, a direção de Andrey Zvyagintsev consegue ser precisa, acompanhando bem os personagens (como se a câmera do cineasta nos convidasse a refletirmos em cada cena), explorando a desolação em muitas sequências, onde o ambiente consegue, de forma muito objetiva, ser um reflexo do interior dos personagens. 

Além disso, as atuações também se mostram muito convincentes, sem exageros ou maneirismos, algumas vezes, com sutilezas (em alguns olhares que dizem mais do que palavras, por exemplo) que somente atores com talento são capazes. Por vezes, a trilha sonora força um pouco a mão, mas, nada extremamente prejudicial, e a fotografia explora bem as gélidas paisagens do local, o que ajuda bastante roteiro e direção a passarem a mensagem desejada.

O título do filme em português ("Sem Amor") talvez dê uma dimensão maior do que o original, que se chama "Um Pouco de Amor". Isso porque, se fomos olhar bem, não existe o mínimo resquício de amor na produção russa. Essa palavra é usada de maneira leviana (intencionalmente ou não) por todos os personagens ao longo do filme. 

Um simples "Eu te amo", na verdade, é um desejo, um profundo querer de amar e ser amado, mas, que, com o passar do tempo, percebemos que esse desejo não se sustenta na vida pessoal dos personagens, que terminam tão carentes desse sentimento quanto no início do filme. O cinismo, a falta de perspectiva no cotidiano, a solidão oriunda das novas mídias sociais, entre outras coisas, acabam por vencer o amor. As pessoas, então, continuam frias e brutalizadas no trato com o próximo.

Pessimista? Talvez. Porém, o mais certo seria dizer que se trata de uma visão incomodamente realista.


NOTA: 8/10


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