filme não recomendável ("em defesa de cristo")

Filme Não Recomendável

Em Defesa de Cristo
2017
Direção: Jon Gunn


"EM DEFESA DE CRISTO" NÃO PASSA DE MAIS UM MANUAL PRÁTICO DE COMO DOUTRINAR SENDO INTELECTUALMENTE DESONESTO

Tentamos. Sempre tentamos dar chance para que as pessoas possam expressar as suas crenças de maneira sincera. Damos crético, vamos na maior boa vontade e assistimos certas produções para cinema na esperança de que (este sim) será algo que apenas celebrará uma determinada fé, sem desmerecer as demais, sem maniqueísmos, sem artifícios baratos, sem desonestidades. 

E, a cada filme desses, a certeza de que o cinema gospel vai se resumir a falar de sua crença, e não separar o mundo entre cristãos (do bem) e não-cristãos (do mal), vai indo embora. Não tem jeito, infelizmente. Pelo visto, nenhum filme gospel conseguirá dialogar de forma franca com o público, e "Em Defesa de Cristo" é a mais nova prova disso.




"Coincidentemente", feito pela mesmo equipe de "Deus Não Está Morto 2" e "Você Acredita?", e baseado livremente no livro "The Case for Christ", do jornalista e pastor evangélico Lee Strobel, "Em Defesa de Cristo" foca na questão da conversão do próprio autor original da obra, que de ateísta militante passou a religioso cristão dos mais fervorosos. 

O filme até começa bem, construindo o personagem de Strobel, desde o seu namoro e casamento com Leslie (sua esposa até os dias de hoje), passando por sua ascensão profissional, e chegando até os "dias atuais" dentro da cronologia do filme, quando ele já tem uma filha, e sua esposa está grávida novamente. Nesses momentos do longa, uma frase, em especial, é bem acentuada, e que irá, em tese, pontuar os parâmetros que o longa vai seguir: "O único caminho para a verdade é através dos fatos".

O "ponto de ruptura" no filme logo vem, e se dá numa cena trivial, dentro de um restaurante. Não tarda ao aspecto doutrinário surgir, e com ele, problemas na vida pessoal de Strobel, já que Leslie, sua esposa, começa a se envolver mais e mais com o meio cristão, frequentado a igreja, lendo a Bíblia, e por aí vai. 

E, logo não tarda também para que uma manipulação, das mais fajutas, "desenhe" Strobel como um ateu intolerante à nova crença da esposa, chegando ao ponto de começar uma espécie de "investigação jornalística" em busca de algo ambicioso: provar que a ressurreição de Cristo nunca existiu. E, como esse é o principal dogma do Cristianismo, sendo responsável, inclusive, pela sua fundação, provar que se trata de um mito é essencial para trazer a sua esposa "de volta à realidade".




A partir daí, começa um verdadeiro festival de desonestidades no roteiro (algo até que ele possa ter herdado, facilmente, do livro do qual foi inspirado). Cada tentativa de Strobel de de tentar provar a "farsa da ressurreição" esbarra em provas irrefutáveis de especialistas renomados, cada um sua área (historiadores, médicos, etc). 

Exemplo disso é quando ele vai numa palestra cujo convidado é o historiador Gary Habermas, um dos estudiosos mais renomados na defesa de que a ressurreição de Cristo realmente aconteceu. É sintomático, inclusive, que, antes de ir ao evento, um amigo dele tenha indicado um livro de Habermas em que ele debate com Antony Flew, "convenientemente", mais um ateísta que se converteu com o passar dos anos (a depender da mensagem do filme, por mais conhecimento que você tenha, se você é ateu ou agnóstico, um dia deixará de sê-lo para se tornar cristão - claro).. 

Voltando à cena da palestra, há um pequeno trecho dela em que a produção mostra muito bem a sua polaridade das coisas. De um lado, um palestrante falastrão e arrogante, fazendo piadas com a crença cristã, e do outro lado, um gentil e educado Habermas, que, para corroborar a sua crença, cita até um famoso ateísta (Gerd Ludermann), mas, de maneira tão rasa e confusa, que não dá espaço para o espectador assimilar o linha de pensamento que Ludermann queria dizer. 

Já, com Habermas, o filme oferece bastante tempo para ele explicar a Strobel as suas ideias, e, de forma inquestionável, que a ressurreição foi um fato. E, este, sem dúvida, é o principal defeito de "Em Defesa de Cristo": seu aspecto doutrinador é tão forte, que bastante espaço para provar a sua premissa, e praticamente silencia quem pensa diferente. Numa cena, por exemplo,vê-se que Strobel está lendo "Porque não sou Cristão", de Bertrand Russell. 

Seria ótimo que o filme mostrasse o protagonista lendo trechos do livro, coisa que não acontece. Afinal, fazer do longa uma peça de propaganda cristã é a prioridade aqui.




Nisso, o filme vai seguindo pontualmente uma cartilha: toda vez que Strobel vai procurar um especialista em alguma área, este lhe convence de que a ressurreição foi um fato concreto, que Deus existe e que só os cristãos estão corretos (ou, "salvos", a depender do entendimento de cada um). 

Não há contradições, não há debates, e sim, apenas provas inquestionáveis de que o Cristianismo é a doutrina certa a se seguir. E, claro, no meio do caminho, ainda há espaço para colocar os ateus como uma classe de pessoas com algum tipo de transtorno ou abuso (chega a ser extremamente forçado quando Strobel vai procurar uma psicóloga, e esta lhe questiona sobre o seu relacionamento com o seu pai, já que ateus famosos, como Nietzsche e Sartre, também tiveram problemas com a figura paterna). 

Os cristãos, claro, são mostrados, geralmente, sorrindo, ou, no caso de Leslie, esposa de Strobel, no papel de vítima. Não há meio termos ou sutilezas. A "verdade absoluta" é mais importante. Ainda há, é bom frisar, uma trama do filme que corre em paralelo, que mostra uma investigação de Strobel que dá errado, só para fazer a analogia de que a verdade sempre esteve na sua frente o tempo todo, mas, ele não "viu".

No final, "Em Defesa de Cristo" soa como uma espécie de continuação dos dois "Deus Não Está Morto". Aparentemente, parece que vai promover um debate sério sobre a fé e o ceticismo, mas, invariavelmente, pende para uma manipulação rasa de ideias, mostrando um lado como o certo, o puro e até o cientificamente comprovado, e o outro como sendo o errado, o perverso, formado por pessoas, na "melhor das hipóteses", doentes. 

A direção até que é boa, e deixa a história transcorrer sem atropelos, além das atuações serem convincentes, algumas até cativantes. Mas, não mais que isso. Pode parecer preconceito, mas, "Em Defesa de Cristo" só funciona mesmo para aqueles cristãos mais fanáticos, que desejam refutar aquele amigo ateu com "provas científicas" de que a sua fé é a correta. 

O problema será se esse amigo ateu não for uma pessoa passiva, que simplesmente absorve tudo dos outros e não rebate, nem contesta nada. Porque, se for daqueles que gostam do diálogo, este filme, definitivamente, não ensina que o conhecimento é uma via de mão dupla.


NOTA: 3,5/10


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