dica de filme ("mãe!")

Dica de Filme

mãe!
2017
Direção: Darren Aronofsky


PEQUENAS ALEGORIAS SE JUNTAM A UMA ALEGORIA AINDA MAIOR NESTE INTERESSANTE EXERCÍCIO DE ESTILO DO CONCEITUADO DIRETOR DARREN ARONOFSKY

Com o passar dos dias, e as impressões cada vez mais acaloradas em relação a "mãe!", está virando clichê dizer que a mais nova experiência cinematográfica de Aronofsky é "difícil", "cheio de camadas", e por aí vai. Em tese, é verdade, já que poucos cineastas hoje em dia se arriscam com um projeto mais ousado. 

Mas, também é verdade que "mãe!", a despeito do seu poderoso discurso principal, está longe de ser um clássico moderno, como muitos têm apontado, porém, não é, de maneira alguma, a porcaria que o "público multiplex", por falta de costume em assistir algo mais desafiador mesmo, anda alardeando por aí. 

De início, o que posso dizer é que "mãe!" é um filme intenso, que mexeu com cada um dos meus sentidos durante as suas duas horas de duração.




De forma bem superficial, o longa mostra o cotidiano de um casal vivendo numa casa no meio do nada. Ambos não têm nome (o que já faz com que tenhamos algumas interpretações a respeito disso). Por sinal, nenhum dos personagens que aparecem aqui são nomeados, como se fossem apenas parte de uma grande massa de pessoas onde todos e ninguém têm importância. 

Confuso? 

E, isso, é importante frisar, é só o começo, já que, num determinado momento, um misterioso homem aparece, para em seguida, surgir uma mulher, pra depois, irem se sucedendo acontecimentos cada vez mais estranhos, bizarros, surreais e perturbadores. De maneira rasa, é isto o que você vai assistir em "mãe!". Obviamente, não é "apenas" isso, e após o filme acabar, vamos recapitulando cada momento crucial da trama para tentarmos interpretar o que acabamos de ver. E, o que podemos conseguir descobrir?

Em primeiro lugar, o filme possui algumas alegorias muito bem colocadas no enredo, e que se reforçam como uma baita crítica à sociedade. Um desses apontamentos versa sobre os conflitos familiares, às vezes, motivados por inveja e ganância. 

A sequência que evidencia isso possui um tom bastante realista, gerando um crescente incômodo em nós, como se estivéssemos diante de uma gravação da "vida real". Por falar nisso, acertadamente, para dar um tom mais realista à produção, Aronofsky dispensou toda e qualquer trilha sonora. Os pequenos sons é que compõem a trama, seja o barulho de uma xícara quebrando no chão, ou até o tom da respiração dos personagens. 

Outra alegoria presente na história é bem mostrada em seu brutal desfecho, e mostra, de uma maneira pra lá de agoniante, o absurdo que envolve o culto às celebridades; um absurdo tão enorme, que, em nome dele, coisas horríveis podem ser feitas.




Mas, mesmo que identifiquemos essas (e, tantas outras) alegorias (até de maneira bem simples), ainda assim, "algo" continua não se encaixando, e voltamos a refletir sobre "mãe!". Com um pouco mais de perspicácia, vamos juntando os detalhes: a casa que parece "viva", a ordem com que os "hóspedes" vão aparecendo, a personalidade dos personagens de Jennifer Lawrence e de Javier Bardem (ela, "incomodada" com cada "hóspede" que surge, e ele sempre frio, distante, vaidoso e arrogante), o caos que toma conta da casa no terceiro ato, o surgimento de cultos e seitas de fanáticos... E, bingo! Conseguimos chegar lá! 

E, é isso mesmo; é disso que se trata "mãe!", a sua principal alegoria, e, especificamente, a sua principal mensagem, ou, sendo mais claro, o que Aronofsky quer nos dizer, ou melhor: avisar. Sim, pois, "mãe!" é um grito de alerta contra o que nós estamos fazendo desde que surgimos, como pessoas, como sociedade, como seres pertencentes a um mundo repleto de outras vidas além da nossa.

A questão que foca, agora, é: Aronofsky conseguiu ser convincente na sua alegoria? Sim, apesar das eventuais limitações que surgem após a sua "completa interpretação". Não que o filme seja raso (de forma alguma), porém, ao optar por apenas um determinado ponto de vista a respeito da concepção da ideia que dá alicerce ao roteiro, isso pode não atingir ao um público, digamos, mais cético e menos espiritualizado. 

Evidentemente que a alegoria principal foi engenhosamente construída, e seu realizador merece aplausos pelo grau de inventividade, sem dúvida. Porém, fica a impressão de que a questão poderia ser ainda mais profunda caso optasse por uma metáfora mais multifacetada. Claro que isso iria depender muito da formação (principalmente, espiritual) do realizador. Isso não tira o brilho da mensagem principal, mas, fica essa ressalva.




Atuações? Não tem como negar que o filme É da Jennifer Lawrence. Por mais que o Javier Bardem, a Michelle Pfeiffer e o Ed Harris estejam ótimos aqui, Jennifer se doa à soa "personagem" com uma entrega impressionante. Gestos, olhares, trabalho corporal, tudo está a serviço de sensações que vão de um mero incômodo, até o mais incontrolável desespero. Sentimos o que ela sente, quase que literalmente. 

E, esse mérito de fazer com que a gente fique imerso naquele mundo caótico, além da atuação primorosa da Jennifer Lawrence, recai sobre um inspirado Darren Aronofsky. Sua câmera nunca esteve tão "viva", tão "pulsante". Seguindo a "personagem" principal aonde quer que ela vá, o diretor nos oferece quase como uma experiência em terceira dimensão, onde não só estamos no meio da ação, como não conseguimos ter controle de absolutamente nada. 

Muito ajuda também a fotografia de Matthew Libatique, que acompanha as sensações dos personagens em tons ora mais limpos, ora mais saturados. É, em suma, um primor técnico.

"mãe!", portanto, não chega a ser um filmaço (o grande filme de Aronofsky continua sendo, particularmente, "Réquiem para um Sonho"), mas, tampouco, é um trabalho ruim, sequer, mediano. Ao fazer uma obra que, corajosamente, desafia um pouco o espectador em tempos de cinema tão "mastigado", tão "artificial", Aronofsky conseguiu fazer um belo filme, com um certo impacto, e que nos faz refletir por um bom tempo (da mesma maneira que Dennis Villenueve fez ano passado, com o ótimo "A Chegada"). 

Fosse só um pouco mais ousado na alegoria principal, e "mãe!" poderia suscitar debates bem mais profundos do que estão fazendo por aí. Mesmo assim, consegue expôr uma inquietação pungente de um realizador que ainda consegue fazer obras do tipo "ame ou odeie". Portanto, ame ou odeie "mãe!", mas, será quase impossível ficar indiferente a ele.


NOTA: 8/10



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