Dica de Filme ("Half Nelson - Encurralados")

Dica de Filme

Half Nelson - Encurralados
2006
Direção: Ryan Fleck


CRÍTICAS CERTEIRAS ÀS DROGAS, AO RACISMO, ÀS GUERRAS E AO SISTEMA EDUCACIONAL FAZEM DE "HALF NELSON" UM IMPORTANTE FILME PARA OS DIAS ATUAIS

Aqui, temos mais um filme "engajado" aos moldes de "O Substituto: Indiferença" e "Capitão Fantástico". Como estes, "Half Nelson" não é SÓ um filme bem intencionado, apresentando o desenrolar de uma história interessante, pontuada por momentos de reflexão social. 

Talvez, não seja bem o estilo de filme de quem procura a "diversão pela diversão" no cinema, mas, é gratificante quando nos deparamos com obras verdadeiramente bem intencionadas, e que não abdicam do bom cinema em sua realização. 

E, "Half Nelson", para melhor explorar as suas possibilidades, passa-se numa escola, ambiente propício para o ensino e o amadurecimento das boas ideias.




Vamos conhecendo, aos poucos, Dan Dunne, um homem relativamente comum. Ele acorda, arruma-se e chega ao seu emprego no qual ele trabalha como professor de História e treinador de basquete. Bastam alguns minutos para vermos a intenção dele (e, do roteiro): não somente ensinar os seus alunos, mas, fazerem reflexões através de acontecimentos históricos, principalmente, relacionados aos direitos civis. 

Essa sua metodologia, de formar um pensamento crítico nos jovens, não é bem vista pela diretora da escola, mas, ainda assim, ela não chega a ser um empecilho para o seu ofício dentro da sala de aula. Logo depois, vamos acompanhando um pouco mais do cotidiano de Dan, principalmente, durante à noite, e percebemos que ele tem um problema: o vício em drogas. No entanto, esse aspecto não é explorado de forma maniqueísta na trama. Apenas é exposto que o único prejudicado com os seus hábitos é o próprio Dan.

Paralelo a isso, Drey, uma de suas alunas, começa a ter uma certa atenção para com o seu professor, principalmente, depois que ela o flagra no banheiro fumando crack. A partir daí, Drey, que possui uma família desestruturada, e que está sendo "apadrinhada" por um traficante local, começa a nutrir mais e mais um sentimento de amizade pelo seu mestre, passando, em certo aspecto, a ser ela a "mestra" de seu professor, em muitas aspectos, mais equilibrada e madura do que Dan. 

Porém, mesmo com o seu vício em drogas, ele continua, mesmo ficando mais e mais debilitado, ensinando conceitos valiosos para os seus alunos, principalmente, quando propõe a eles que façam pesquisas sobre acontecimentos históricos que geraram conflitos em nome dos direitos civis. Nesse ponto, é muito interessante o recorte que o filme faz, pois, mostra cada aluno, de frente para a câmera, narrando um acontecimento específico, e mostrando cenas reais do ocorrido. Uma verdadeira aula de História, digamos assim.




Interessante como o filme evita soluções fáceis de roteiro, não apelando para situações gratuitas. Por exemplo: os momentos em que Dan consume drogas poderiam ser carregados de estética, sublimando qualquer crítica que se poderia fazer. Aqui, tudo é mostrado com "câmera na mão", em closes nos personagens, ficando algo bem documental e (propositalmente) desconfortável. 

Há também a questão da relação de amizade entre Dan e Drey, que, em outro filme, poderia descambar pra algo inapropriado (pelo menos, para a proposta da premissa), que seria a menina se apaixonar por seu professor. No início, até poderíamos pensar que tudo se encaminharia para isso, mas, no decorrer da narrativa, o que a garota sente por seu professor é um autêntico afeto de amiga, e nada mais. 

Até a figura do traficante, aqui, não é estereotipado, mostrando simplesmente um sujeito mau caráter, que sabe manipular tanto Drey (sua "empregada"), quanto Dan (seu "cliente"). Uma visão mais plausível e pé no chão, digamos.

O roteiro ainda abre espaço para falar sobre a questão familiar, e em núcleos de ambos os personagens principais. Dan tem uma relação fria e distante com os seus pais, além de ter tido um relacionamento fracassado com uma mulher, que antes, era sua parceira no vício. 

Já, Drey tem pais divorciados, cujo pai é totalmente ausente, a mãe trabalha tanto, que passa a maior parte do tempo fora de casa, e o irmão se encontra preso. Dan e Drey, são em essência, personagens carentes, que, muitas vezes, sentem-se sozinhos por terem uma visão bastante diferenciada das demais pessoas. E, é a partir de vidas tão atribuladas, que surgirá uma união entre esses dois personagens um tanto que "perdidos" em meio à limitação das pessoas ao seu redor. 

Essa união, às vezes, expressada sem palavras proporciona momentos sublimes no filme, como quando Drey leva um punhado de drogas para um apartamento, sem saber que quem está lá é ninguém menos que Dan. Os olhares dos dois dizem muito apenas com os gestos, numa cena primorosa.




Com a sua eterna expressão de tristeza, Ryan Gosling pode ser considerado o "Nicolas Cage" dos tempos atuais, e mesmo que não seja um exímio ator, o seu carisma cai como uma luva para alguns personagens. Na pele de Dan Dunne, ele não comete exageros, trabalhando com naturalidade as várias nuances de seu personagem. Nada formidável, e, ainda assim, bom. 

Quem se destaca, mesmo, é Shareeka Epps, no papel de Drey, mostrando uma interpretação madura, por vezes, contida, e, em alguns outros momentos, emocionante. Outro ator que merece menção é Anthony Mackie, que faz o traficante Frank. Ele consegue fazer um personagem odioso em essência, mas, sem exagerar nas cores, impedindo o personagem de ficar mais em evidência do que deveria. 

E, quem comanda tudo de maneira bastante sóbria é o diretor Ryan Fleck, diretor escalado para dirigir o filme da Capitã Marvel, e que, aqui, fez a sua estreia na direção. E, que estreia! "Half Nelson", mesmo que tenho sido filmado em apenas 23 dias, mostra uma tremenda competência do seu realizador, focando a história nas coisas certas, e dando a tudo aquele caráter de urgência em uma produção com esse nível de engajamento.

"Half Nelson" é aquele tipo de filme que, provavelmente, muitos adoram e muitos odeiam nas mesmas proporções. Isso porque ela não fica "em cima do muro". É engajado, é crítico, é reflexivo. É até (sem ser pejorativo) panfletário. Mas, isso não é ruim, ao contrário. Primeiro, porque estamos passando por um momento em que se questiona muito a atuação do professor em sala de aula (como no caso do famigerado Escola Sem Partido). 

Por isso, o filme acaba sendo bastante atual. E, segundo, porque ele mostra, como toda boa produção que aborda a questão do professor, o quanto a relação deste com os seus alunos é importante no sentido de ensinar as cabeças mais jovens a serem críticas, a pensarem por si. Ou seja, "Half Nelson" vai bem além do cinema, e isto é muito importante num tempo em que a arte, na maioria das vezes, está ficando mais e mais "isenta". 

Por fim, como filme em si, ele é muito bonito, mas, sem pieguismo, até mesmo com uma certa crueza, mas, que nos apresenta uma ótima história sobre mudanças, amadurecimento e amizade. Em suma, um filme necessário.


NOTA: 8,5/10


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