A Constituição ("O VALE SOMBRIO")

Dica de Filme

O Vale Sombrio
2014
Direção: Andreas Prochaska


FAROESTE À MODA ANTIGA ACERTA EM CHEIO AO APOSTAR NUMA TRAMA COM REVIRAVOLTAS BEM CONSTRUÍDAS

Muitos pensam que o gênero faroeste "morreu". Verdade que não se fazem mais tantas produções marcantes como antigamente, porém, isso não significa dizer que mais nada é feito nesse formato. Procurando em produções mais independentes (e, até em outros países) vamos ver que o faroeste ainda pode render ótimos filmes. 

Claro, os tempos são outros, e, por causa disso, não cabe mais aqueles velhos maniqueísmos, como colocar os indígenas locais, por exemplo, como os eternos vilões. Isso, ao menos, dá vazão a tons mais realistas, e até mais interessantes. É o que vamos encontrar, em linhas gerais, no vigoroso "O Vale Sombrio".




A história aparenta não ser muito complexa, mas, ao longo da narrativa, vai ganhando boas camadas de profundidade. Acompanhamos Greider, um forasteiro que chega a uma vila no meio do nada, pedindo abrigo. Logo na entrada, conhece os irmãos Brenner, que comandam a região como uma espécie de clã, com mão de ferro. 

Mesmo relutantes quanto a estadia de Greider no local, eles o deixam ficar na vila até que se passe o inverno, não sem antes serem bem pagos por isso, evidentemente. O visitante, aparentemente, é fotógrafo, e sua intenção é de fazer imagens da região. Nesse meio tempo, vai testemunhando o poder dos irmãos Brenner na vila. No entanto, acontecimentos estranhos abalam a suposta tranquilidade do lugar, e a culpa pelos incidentes recai em Greider.

Pronto. Descrever mais da história em si é estragar a experiência de assistir ao filme. Uma característica que logo salta aos olhos é a condução da trama. Mesmo sendo uma produção recente, o ritmo é bastante lento, privilegiando a construção dos personagens e as interações entre deles. Não esperem também nenhum alívio cômico também. 

Tudo é muito denso, pesado, claustrofóbico, num clima que, por vezes, lembra mais filmes de terror do que faroeste. E, essa forma de contar a história se mostra muito eficiente, pois, como temos um enredo com algumas reviravoltas, a tensão se torna essencial para que não percamos o interesse em praticamente nenhum momento. 

É admirável, por sinal, que a principal revelação do roteiro seja entregue logo na metade do filme, e que, mesmo depois disso, ele continue numa crescente que não sabemos, mais ou menos, qual será o desfecho.




Como dito anteriormente, o enredo possui mais densidade do que aparenta. Ao mostrar uma vila isolada comanda por uma espécie de patriarca e seus filhos, a história faz uma bem vinda crítica aos sistemas totalitários, mesmo que aqui tudo seja retratado de maneira um tanto minimalista, aonde as normas e regras são ditadas por um pequeno grupo de privilegiados, aonde a maioria se cala por medo de represálias. 

Obviamente, num ambiente assim, um dos grupos que mais sofrem são o das mulheres, e cuja "função" delas na vila também é um elemento importante na trama. É claro que outros elementos típicos do estilo faroeste, como vingança, estarão presentes na histórias, mas, sempre de maneira orgânica e bem arquitetada, e nunca gratuita.

A parte técnica é primorosa. A fotografia consegue ressaltar bem o isolamento das pessoas daquela região, tanto física, como emocionalmente. Ângulos de câmera ajudam a criar uma atmosfera selvagem, como se "algo" estivesse sempre à espreita dos personagens. Há ainda uma inusitada trilha sonora, que ora parte para temas mais clássicos, ora faz incursões de músicas mais contemporâneas, mas, que funcionam à perfeição. 

No campo das atuações, não há interpretações arrebatadoras, no entanto, todos cumprem muito bem os seus papeis. Diria que Sam Riley, que faz o protagonista Greider, e Paula Beer, que vida a jovem Luzi, são os principais destaques nesse sentido, sem contar que também vale mencionar o veterano ator Hans-Michael Rehberg, que dá uma imponência sombria ao patriarca Brenner.




"O Vale Sombrio" se trata de um ótimo filme porque consegue se aproveitar de aspectos modernos para contra uma boa história à moda antiga. Com uma narrativa que envolve o espectador até o último minuto, e contendo poucos furos de roteiro, a produção consegue dar um gás ao já desgastado gênero de faroeste, mostrando que existem muito talentos espalhados mundo afora, que não precisam se curvar a clichês hollywoodianos. 

Não estamos diante de um clássico, é verdade, mas, ressalte-se que o longa cumpre muito bem aquilo que promete, e indo um pouco além das expectativas. Num cenário de cada vez menos inventividade, nada mais promissor.


NOTA: 8/10


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