Filme Não Recomendável

Manchester à Beira-Mar
2016
Direção: Kenneth Lonergan


Um drama não precisa ser pedante, muito menos, o tema do luto precisa ser "carregado". Sim, estamos falando de um assunto doloroso para muitos, no qual a perda de amigos ou entes queridos signifique uma tristeza profunda, e uma melancolia incurável diante da vida. Justíssimo. Mas, quando esse tipo de situação é usada numa história forçada, feita só para arrancar lágrimas das pessoas, a coisa desanda para a mais pura apelação. E, infelizmente, é o que acontece com "Manchester à Beira-mar", cuja premissa de se fazer reflexões no contraste da vida com a morte é muito boa, mas, com uma realização muito esquemática e padronizada.

Aqui, conhecemos o sisudo e anti-social Lee Chandler. Os primeiros minutos, uma espécie de "apresentação" do personagem, são, de certa forma, um desperdício. Isso porque esses momentos não dão conta de expôr algo que seja minimamente interessante a respeito da personalidade dele. São cenas que se limitam a mostrar mais o cotidiano dos moradores do prédio aonde ele trabalha como encanador. Como função narrativa, desnecessário. E, depois, simplesmente, esse contexto meio que some do enredo, sendo mostrado apenas em flashbacks pontuais mais na frente, porém, sob outra perspectiva. O que dá pra perceber, de início, é que Lee é uma pessoa muito antipática. E, só. É apenas quando recebe uma ligação informando da morte de seu irmão que a coisa parece que a trama principal vai ser melhor desenvolvida. 




Mas, há algo de errado. Tudo e todos aparentam frieza demais. O próprio Lee não parece sofrer muito com o ocorrido, e nem um amigo da família, que faz um esforço descomunal para chorar um pouco depois de resolverem alguns trâmites do sepultamento. Nesse meio tempo, já apareceram alguns flashbacks explicativos, que mostram Lee, o irmão e o sobrinho pescando num barco, e em outros momentos, o irmão do protagonista no hospital após sofrer com mais um ataque cardíaco. Porém, é tudo mostrado de maneira mecânica, sem emoção ou qualquer forma de humanidade. No entanto, vamos deixando o tempo passar e, assim, dar mais chances pra ver o que acontece.

E, o que acontece é que, segundo o testamento do irmão de Lee, ele passará a ser tutor de seu sobrinho Patrick, de 16 anos. O garoto também mostra certa frieza quando recebe a notícia da morte do pai, e quando vai visitar o corpo no necrotério. A partir daí, já vislumbramos os exageros no roteiro. Afinal, o personagem principal ser frio e antipático, e depois, isso ser explicado, ainda vai. Mas, por que também o seu sobrinho? Uma tendência da geração atual, já que ele vive no celular, acessando redes sociais? Poderia até ser se o personagem fosse melhor desenvolvido, coisa que não é. Em determinado momento, ele até demonstra um desespero contido, mas, logo isso passa, e ele volta a ficar mais preocupado em fazer amor com sua namorada e ensaiar com sua banda. E, Patrick, ao longo do filme, é resumido a isso, e somente a isso.




Quanto ao protagonista da história, Lee, lá pelo meio do filme, entendemos o porque de tanta antipatia e frieza até para com os seus parentes: uma tragédia pessoal que abalou para sempre a sua vida. Pelas circunstâncias em que se dá essa tragédia, é até justificável muitas de suas atitudes, mas, aí o diretor (e, também roteirista) Kenneth Lonergan pesa muito a mão nos momentos mais dramáticos, com policiais interrogando Lee de uma um tanto tosca, e este, depois, num acesso de fúria tentando o suicídio. É a sequência mais pesada do longa, na teoria, mas, na prática, é muito forçada (e, é o que dá o mote do filme todo). A câmera do diretor, estática o tempo todo, carece de emotividade, e, pra compensar, há uma insuportável trilha intrusiva que visa levar o espectador aos prantos, mas, deixa tudo apenas sacal.

A partir desse instante, o foco do filme é apenas mostrar a difícil relação de Lee com Patrick, mas, tudo de maneira pouco interessante. E, ainda há uns pequenos alívios cômicos entre Patrick e sua namorada, mas, que não se encaixam bem na história. Há alguns momentos, porém, interessantes, como quando Patrick vai visitar a sua mãe e o seu atual namorado, gerando um certo desconforto. Uma sequência que denota bem as difíceis relações familiares as quais, muitas vezes, somos submetidos. Uma pena que esses instantes durem apenas poucos segundos, para retornarmos com o filme chato e presunçoso de antes. 




É totalmente louvável falar sobre como o sentimento de perda pode nos moldar para pior, meio que nos anestesiando de qualquer sofrimentos depois disso. Mas, um ou outro personagem num filme com esse tema pode ser frio e antipático, mas, não toda a produção. "Manchester à Beira-mar" é tão insuportável de se assistir quanto Lee é uma pessoa insuportável de se conviver. Até hoje, a melhor forma de se falar de um tema pesado como o luto é humanizando os seus personagens, talvez mostrando certa indiferença deles aos acontecimentos diante da morte, mas, expondo, em mínimos detalhes, que eles sofrem, porém, vão tentar continuar vivendo. É o que temos com o ótimo "O Quarto do Filho", de Nanni Moretti, que faz do assunto uma oportunidade para a reflexão, e não para sentirmos pena dos personagens. Em "Manchester..." é o contrário: tudo é feito para que sintamos piedade do protagonista. E, isso seria até possível, caso as situações fossem feita de maneira mais natural, e o ator Casey Affleck ajudasse mais em sua interpretação, que é muito fraca.

Após assistir a este filme, não fica a sensação de redenção, mesmo que o roteiro se esforce pra isso. Também não fica a impressão de que o sofrimento da perda, principalmente, se for por nossa culpa, é um carma que precisaremos carregar pro resto da vida. E, por fim, não fica o insight da necessidade do recomeço. A história de "Manchester à Beira-mar", de fato, tinha potencial. Mas, quiseram os seus realizadores que tudo fosse forçado ao extremo, como se o público fosse incapaz de se compadecer do drama de Lee, que, verdade seja dita, é terrível. No entanto, a condução desse enredo poderoso careceu de alma, além de cuidados básicos com o excesso de clichês. A vida, às vezes, pode ser difícil, dura e até patética. Mas, o cinema, para ser bom, não precisa apelar, nem ser forçado. Fica, então, a dica: pra quem quiser assistir um filme que trata o luto de maneira pouco usual, porém, precisa, "O Quarto do Filho" ainda é muito válido.


NOTA: 4/10


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