Dica de Filme

Inimigo Meu
1985
Direção: Wolfgang Petersen


A ficção científica no cinema sempre teve enorme diferença em relação a que se encontra na literatura. Isso porque os filmes, em muitas ocasiões, mostram-se mais preocupados com uma ação descerebrada ou uma aventura boa, e tira do gênero o seu essencial: a reflexão sobre a condição humana em diversos aspectos. Isso fica ainda mais evidente quando se trata de adaptações de livros (como os esquecíveis "Eu, Robô" e "Tropas Estelares"), cujas histórias originais eram profundos estudos sociais. Já, os seus respectivos filmes não passaram de meros blockbusters de verão. Mas, há os que se salvam, e ainda hoje, têm alguma mensagem importante em suas tramas, aparentemente, simples. É o caso de "Inimigo Meu".

Na verdade, este é o tipo de filme que, analisando bem, dificilmente seria feito nos dias de hoje. Explico: aqui, ao contrário das megaproduções atuais, o foco não é a ação, ou os efeitos especiais, e sim, a história e o que ela tem para ser explorada em várias vertentes. Uma história que não flerta só com a questão da amizade, como muita gente, comumente, atribui a "Inimigo Meu", mas, também a questões como tolerância entre os diferentes. Troquem o ser humano e o alienígena do filme por qualquer nação de hoje e os imigrantes que se refugiam nelas, e teremos uma produção tipo "sessão da tarde", que, ironicamente, consegue provocar mais do que muita produção pretensamente crítica por aí, fazendo uma dura crítica à intolerância e ao preconceito. Quem diria, não é mesmo?




A trama, em si, não tem nada de complexa, mas, também não compromete. Estamos no futuro, onde humanos e alienígenas do planeta Dracon disputam territórios no espaço. Numa dessas disputas, duas naves caem num planeta inóspito; uma, com um humano,m e a outra, com um habitante de Dracon. Não tarda em ambos se encontrarem, e as primeiras diferenças surgirem, fazendo com que eles fiquem em pé de guerra o tempo todo, mesmo tendo que conviver juntos a partir de então. E, é nessa convivência que aprenderão a ficarem unidos, respeitando um ao outro, numa troca mútua de favores, às vezes, com brigas, mas, com o passar do tempo, cada vez mais compreensão entre ambos.

Sim, pode parecer uma premissa meio piegas, mas, acreditem, não tem nada forçado nesse sentido aqui. O roteiro é bem feito, juntando momentos de um humor mais leve, com outros mais tensos e violentos. O principal da história, que é a relação de amizade e tolerância construída entre os dois é feita de forma gradativa, de maneira mais calma que o habitual para uma superprodução, o que chega a impressionar. E, tudo mostrado de maneira crível e até comovente, principalmente, quando o alienígena de Dracon começa a expôr mais de seus costumes ao humano, numa prova de inteira confiança, e que vai além da questão do individualismo (de início, os dois só cooperavam um com o outro para conseguirem sobreviver planeta hostil).




Mesmo quando o roteiro revela um ponto um tanto estranho na trama, ainda assim, a história não perde o rumo, passando, é verdade, a ficar mais com cara de aventura. Mas, uma ótima aventura, diga-se bons efeitos especiais para a época, cuja a maioria não ficaram datados. Nota-se, inclusive, cenas um pouco mais violentas do que o normal para um filme pipoca (ah, os icônicos anos 80...), o que, decerto, chocaria boa parte do público atual, acostumado a tudo bastante comportado nas ficções científicas de hoje. E, é isso o que faz muitos filmes dessa época serem relevantes ainda hoje. Seus realizadores não tinham receio em ousar, em colocar uma cena um pouco mais pesada, ou fazer o público refletir através de uma hist´poria verdadeiramente cativante. 

O elenco parece se divertir muito, com todos bem naturais em seus papéis, desde o galã Dennis Quaid (que estava no auge), até Louis Gossett Jr., ótimo, mesmo sob quilos de maquiagem, e, ainda assim, fazendo um trabalho impecável como o habitante de Dracon. Já, o diretor Wolfgang Petersen, que, um ano antes, havia feito outro filme ícone dos anos 80 ("História Sem Fim"), neste, não perde a mão em nenhum momento, conduzindo tudo com muita segurança. Só que o grande mérito de "Inimigo Meu" continua sendo o seu roteiro forte, baseado na obra de Barry B. Longyear. Não apenas apostando na velha premissa de dois personagens que não se suportam, e que depois, passam a ser amigos, ele também fala, mesmo que sutilmente, sobre assuntos que ainda hoje se mostram relevantes, e que podem até serem usados para debatermos sobre a tão falada xenofobia nos dias atuais.




Mesmo não sendo de todo excepcional, e pecando por alguns momentos involuntariamente cômicos, "Inimigo Meu" está acima da média das produções de ficção científicas hollywoodianas, justamente, por tentar ir além de convencionalismos, e tentar dialogar com público, ao invés de apenas atordoá-lo com toneladas de pirotecnia. E, é por essas e outras que dificilmente esse tipo de filme seria feito nos dias de hoje. Enquanto procuramos saber o que deu errado com o cinemão dos EUA nos últimos anos, cabe tranquilamente reassistir "Inimigo Meu" quantos vezes forem necessárias. É diversão com conteúdo, sem contra-indicações.


NOTA: 8/10


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