Dica de Filme

O Solitário Jim
2005
Direção: Steve Buscemi


Até mesmo no cinema independente encontramos muita trivialidade, aqueles lugares comuns que vão se multiplicando produção após produção, e tirando aquele ar de novidade. Portanto, é sempre bom louvar quando se encontra um exemplar que foi feito de maneira, digamos, peculiar, ou, simplesmente, diferente da maioria que assistimos por aí. É o caso de "O Solitário Jim", e muito ajudou o fato dele ser dirigido por um ator igualmente peculiar: Steve Buscemi. Para quem acompanha a carreira dele com certa regularidade, sabe muito bem que tipo de personagem ele geralmente encarna, e essa persona "esquisita" está bastante presente nesta sua estreia atrás das câmeras.

Jim, o solitário do título, volta pra casa dos pais depois de ficar muitos anos fora, tentando ganhar a vida. Mas, não conseguiu, e esse sentimento de fracasso irá acompanhá-lo a partir de então, e isso implicará em ser rude, mas, verdadeiro, com todos aos seu redor, principalmente, à família. E, é quando dá uma lição de moral no irmão mais velho ("que desperdiçou a vida fazendo tudo o que não gosta, e por isso, é de se admirar que ainda não tenha cometido suicídio"), que ele tem, a partir de um acidente quase fatal, que aderir a certas convenções sociais, como começar a trabalhar. mas, nem as necessidades o deixam mais sociável, nem quando inicia uma espécie de "romance", por assim dizer.




Por mais que seja estereotipado dizer isso, mas, estamos aqui diante de uma comédia realmente inteligente, que se aproveita de situações absurdas e desconfortáveis para tirar graça e reflexão de momentos inusitados. Numa das melhores cenas, por exemplo, o tio de Jim, totalmente "chapado", e ao lado de uma prostituta, assistem a um culto cristão na TV, com um olhar de que estão entendendo tudo. O riso, então, é involuntário, mas, espontâneo, e ainda vem com uma boa dose de sátira. O roteiro esperto de James C. Strouse aproveita bem o que denominamos "comédia de erros", e nesse sentido, lembra um certos pontos, os filmes dos irmãos Coen.

A trama, muito bem alinhada, também não se propõe ao maniqueísmo barato, não endeusando, nem demonizando os personagens. O próprio protagonista Jim é o supra sumo da antipatia em determinados momentos, mas, ainda assim, entendemos o porquê de tanta depressão e angústia. Mesmo os mais imorais da história, como o tio de Jim, não são retratados como vilões absolutos, e sim, como seres humanos repletos de falhas. Da mesma forma que,em alguns momentos possamos sentir raiva de um personagem, em instantes depois, podemos, muito bem sentir pena, ou qualquer coisa de tipo. E, mesmo que algum possa tender à caricatura, todos são retratados de forma natural, do tipo de gente que poderíamos encontrar em qualquer lugar.




Claro, talvez, a história incomode um pouco a quem espera um filme independente mais tradicional. Isso porque, propositalmente, o filme faz questão de se mostrar, às vezes, tão depressivo quanto o seu protagonista. Jim, por sinal, tem uma paixão um tanto mórbida: é fascinado por escritores que, em geral, cometeram suicídio, e um de seus prediletos é Hemingway. Além disso, sua rispidez com as pessoas, até mesmo com crianças, causa certo desconforto. Mas, com paciência, deixamos a trama fluir, e, cedo ou tarde, iremos nos pegar torcendo por Jim, chegando até a admirar sua notória antipatia. Além disso, fica claro, o tempo todo, que ele não procura redenção, e sim, motivos para tentar fazer algo, mesmo que não consiga sucesso. De uma maneira um pouco estranha, pois, essa é uma das ideias centrais da história: não desistir.

É incrível como Buscemi, estreante na direção, consegue ter um domínio narrativo tão bom, principalmente, se levarmos em consideração o fato da história fugir do lugar comum em muitas passagens. Não chega a ser um trabalho extremamente primoroso, mas, é gratificante assistir a algo em que o condutor da história tem controle no que faz, e, algumas vezes, até de forma bem criativa, como é o caso de certos enquadramentos de câmera. No elenco, temos um Casey Affleck e uma Liv Tyler bem entrosados. Nada que seja realmente brilhante, mas, encarnaram seus papeis com louvor, bem como o restante do elenco, que se mostra bastante profissional.



"O Solitário Jim" está um pouco além de rótulos. Claro que não é mainstream, porém, foge das soluções fáceis de algumas produções independentes. Ora, interessante, ora inusitado, ora soturno, e ora os três ao mesmo tempo, o filme tem em seu protagonista um bom catalisador do vazio existencial de uma sociedade baseada no espetáculo e na eterna apologia ao vencedor. Um belo sub-texto, portanto, que não facilita pra quem assiste, forçando um entendimento mais amplo das relações interpessoais e se posicionando contra a nossa apatia crônica.


NOTA: 8/10


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