Dica de Documentário

Câmara dos Espelhos
2016
Direção: Dea Ferraz


O machismo na sociedade é um fato. Mas, será que os próprios homens têm consciência disso? É pensando nisso, que a cineasta Dea Ferraz realizou um interessante experimento: colocar vários homens, de diversas idades, para dialogarem entre si sobre questões relacionadas à mulheres, desde o mercado de trabalho ao aborto. A estrutura usada foi simples: uma sala, com alguns espelhos, e vários homens assistindo trechos rápidos de imagens relacionadas às mulheres, e debatendo sob a ótica deles. O resultado, como se poderia imaginar, é incômodo.

Pior é notar como atitudes e pensamentos machistas estão presentes em todas as gerações, desde o jovem que ainda está cursando a faculdade, até o velho que, mesmo debilitado pela saúde frágil, tem um desejo: um dia, relacionar-se com uma mulher mais jovem, que seja surda, muda e boa empregada doméstica (!). As visões são múltiplas, mas, resvalam, quase sempre, na mesma perspectiva: de que a mulher é inferior e incapaz, e por isso, precisa ser submissa ao homem. Num dos trechos, por exemplo, após uma reportagem sobre mulheres que trabalham em serviços considerados "pesados", eles discutem se é realmente necessário que elas trabalhem nisso, até para não serem autoritárias em casa, nem atrapalhar os afazeres domésticos.


É verdade que o documentário peca em alguns pontos. Primeiro, a gama de assuntos acaba sendo pouco variada, o que deixa a sensação de incompletude. Por exemplo: faltou abordar o tema tão recorrente da "cultura do estupro", que, vez ou outra, vem surgindo nos debates recentes. Outro ponto um tanto negativo seja o fato do único que faz parte da equipe, e que está "infiltrado" entre os debatedores seja alguém que até tenha boa vontade nos diálogos, mas, que, às vezes, mostra argumentos muito simplórios e que só geram um atrito desnecessário. Sem contar do mal uso da questão do funk, que, como sabemos, em geral, é um ritmo musical extremamente machista.

Porém, um ponto muito positivo foi, sem dúvida, o fato de, propositalmente, os homens que ali estavam saberem que estavam sendo filmados, mas, mesmo assim, caírem em contradição pelos assuntos abordados nos vídeos. Num momento, dizem que aborto é tirar a vida de alguém, No outro, que um homem traído, a depender do estado emocional, pode até matar, e tem que ser compreendido por isso. Outro momento bem singular é quando eles se mostram avessos ao direito delas fazerem o que quiserem. e quando veem um vídeo que mostra uma mulher totalmente liberada sexualmente, eles já mudam o discurso, ficando constrangidos com a cena e dizendo que a mulher tem que ter os mesmo direitos que os homens.

A cineasta Dea Ferraz

Entre altos e baixos, "Câmara dos Espelhos" é uma experiência válida, suscitando debates interessantes a respeito de como muito homens ainda veem a figura feminina, independente da cor da pele, da idade e até da religião, ponto esse bem salientando entre um dos participantes. Como documentário, não chega a ser algo do nível de um Eduardo Coutinho ou de um Sílvio Tendler da vida, mas, cumpre bem o seu papel questionador e desobediente. A sequência final, nesse aspecto, é emblemática: todos constrangidos ao verem que as mulheres (pelo menos, uma boa parte) não irão ceder a pensamentos arcaicos. Pois, é. Alguns, percebendo que estão ultrapassados, só lhes resta baixar a cabeça e tentar refletir (se puderem).


NOTA: 7/10



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