Dica de Filme

Réquiem para um Sonho
2000
Direção: Darren Aronofsky


A futilidade, o ridículo, o sofrimento a dor sem fim. Uma espiral sem esperança. O máximo de deterioração física e mental que um ser humano é capaz de suportar. "Réquiem para um Sonho" pode (mas, não deve) ser resumido assim. Trata-se de algo a mais. Algo além de um mero conselho, um tapa na cara da hipocrisia, um desconforto tremendo, uma carga dramática pesadíssima. Um filme assim poucas vezes é feito, e, por isso, é preciso mergulhar em sua proposta (mesmo que a assimilação seja angustiante).

Estamos diante de um cinema difícil. É o clichê os clichês, porém, não há como começar falando deste filme sem dizer que ele é (muito) difícil. A princípio, parece ser uma cópia de "Transpotting": o cotidiano de jovens viciados em todo tipo de substâncias ilícitas. Somos logo apresentados a Harry e sua mãe Sara. Ele aparece, literalmente, roubando a TV dela para comprar drogas. Ela, constrangida, permite que ele faça isso, para depois recuperar o aparelho na loja de penhores. Logo vemos que Sara também tem seus vícios: os programas televisivos, principalmente, aqueles que dão prêmios e transformam pessoas comuns em "celebridades". Dia a dia, Sara sonha com isso.




Ao passo que Harry vai se envolvendo cada vez mais no submundo das drogas. Junto, leva sua namorada Marion e seu amigo Tyrone. Todos com um objetivo em comum: ficarem dopados a maior parte do dia, e, quando estão sóbrios, pensar numa maneira de ganhar dinheiro. Entre encontros e desencontros, vão, acabar tendo que apenas sobreviverem de alguma forma. Paralelo a isso, Sara, fruto de uma grande solidão, vai ficando mais dependendo do mundo fictício da TV, chegando ao ponto de tentar ficar mais magra para usar um vestido num suposto convite que recebeu para participar de seu programa favorito.

Em linhas gerais, esse é o núcleo central de "Réquiem para um Sonho".

Não esperem o óbvio. Mesmo não tendo tanto parentesco assim com "Transpotting", em ambos observamos a intenção de não serem moralistas quanto às drogas, sejam elas de que natureza forem. Harry, Sara, Marion e Tyrone não são julgados pelos seus atos, não são colocados como pessoas, simplesmente, loucas, nem como anti-heróis. São, contudo, desgraçadamente comuns, e se pagam um preço alto pelas suas ações, é porque a sociedade da qual vivem é mil vezes pior do que a atitude deles.




É de impressionar como os personagens vão se deteriorando ao longo das quase duas horas de filme, Acreditem, não haverá redenção, mas, a produção nos oferece diversas lições e simbolismos, mesmo sem ser hipócrita. Quando Sara passa a se viciar em anfetaminas para emagrecer, é traçado um interessante paralelo entre ela e seu filho. Quem seria mais drogado? Quem se rende mais a um estilo de vida que cobra o tempo todo você ser um vencedor? Os anúncios de TV também não seriam equivalentes às drogas?

Passo a passo, minuto a minuto, o filme vai desconstruindo o american way life. O sonho americano de ser rico e famoso não passa de um engoda, uma falácia que só faz produzir frustração. O roteiro é extremamente feliz ao colocar esse dedo na ferida, principalmente, quando mostra o estupor de quem, acreditando nas mentiras sociais, não diferencia mais o que é realidade e o que é ficção. O fundo do poço é inevitável, e quem está ao redor, apenas assisti a tudo como um grotesco espetáculo; um reality show cruel.




Num filme com uma proposta dessas, claro que o elenco seria, no mínimo, ótimo. Só que aqui os atores se superam. Jared Leto, há muito, já não precisa mostrar mais nada; sempre se mostrou um exímio ator (bem melhor do que música, diga-se). Jennifer Connelly e Marlon Wayans estão ótimos como os companheiros de jornada de Harry. Mas, o maior show mesmo recai sobre a estupenda Ellen Burstyn, que compõe uma Sara extremamente frágil, digna de piedade. Sua transformação física ao longo do filme é uma das coisas mais chocantes do cinema recente, e, merecidamente, ela concorreu ao Oscar por essa atuação.

"Réquiem para um Sonho" é um filme repulsivo, mas, não no sentido gratuito, como num "A Serbian Film", por exemplo. A repulsa causada no espectador é um misto de tristeza, revolta e compaixão pelos personagens. Não há como não sentir uma certa angústia por não poder ajudá-los, por não poder reverter seus destinos. Uma produção que inquieta e não deixa margem para descanso ou calmaria na mente de quem assiste. Uma bem-vinda ousadia num cinema que, atualmente, vem perdendo força, seja na forma, seja no conteúdo.



NOTA: 10/10

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