Dica de Filme

A Hora da Zona Morta
1983
Direção: David Cronenberg


Ah, os anos oitenta... Excelentes tempos do bom cinema hollywoodiano, aonde as grandes produções não agrediam nossa inteligência, e as histórias eram, de fato, fascinantes. Claro, leva pontos a favor termos aqui dois mestres do gênero "horror" em suas melhores formas: o diretor Cronenberg e o escritor Stephen King. Interessante notar, no entanto, que "A Hora da Zona Morta" não é, necessariamente, um filme de horror, apesar de ser genuinamente assustador. Só que não temos monstros ou fantasmas assombrando pessoas, e sim, a velha maldade humana colocada em alegorias muito boas ao longo do enredo.

Começamos conhecendo o professor Johnny Smith, que leva uma vida comum, pacata, inclusive, até alheio ao que está à sua volta. Tem um bom emprego e nutre uma paixão pela sua companheira de profissão Sarah Bracknell. Tudo muda quando sofre um acidente de carro, e passa inacreditáveis cinco anos em coma. Ao acordar, tudo muda. Sarah já está casada e com um filho, por exemplo, o que é a causa de um de seus maiores sofrimentos. Além disso, precisa passar por incontáveis terapias para voltar a andar, e depois, tentar recuperar o pouco da carreira de professor que lhe restou.




Por acaso, enquanto está no quarto da clínica aonde está internado, uma enfermeira aperta sua mão, e ele tem uma visão aterradora: a casa da enfermeira está em chamas com a filha dela dentro. Ele avisa o que viu, e ela, desesperada, realmente, encontra sua casa pegando fogo, mas, sua filha sendo salva pelos bombeiros. É então que Johnny descobre que adquiriu um dom peculiar: ao tocar nas pessoas ou em objetos que elas pegaram, ele pode prever o futuro ou visualizar o passado delas. É assim, por exemplo, que ele descobre a localização da mãe de seu médico, perdida desde a sua infância, no período da guerra.

O filme vai, então, mostrando o drama de Johnny, em sua inadequação social quanto a esta habilidade que adquiriu. Vemos desde o assédio da imprensa para fazer de Johnny uma "atração de circo", até os momentos em que ele se vê num dilema em ajudar ou não a descobrir o responsável por uma série de assassinatos. A história mostra, a partir daí, um de seus maiores trunfos: ao focar nas indecisões do protagonista perante sua nova realidade, a produção escapa de ser uma mera ficção científica com toques de terror rasteira e sem propósito.




Não que aqui não tenhamos cenas que causem certo medo. Ao contrário. Só que o medo retratado em "A Hora da Zona Morta" é aquele mais real, mais palpável numa sociedade cada vez mais fria, e menos preocupada com quem está ao seu lado. Esse sentimento altruísta é bem caracterizado no personagem principal, que mesmo se sentido cada vez mais sozinho, continua a receber cartas de pessoas precisando de ajuda, às vezes, de uma simples palavra de conforto. Encontrar isso numa produção como essa é realmente algo especial.

Bom salientar que o filme não atropela nenhum de seus temas. Desde a solidão de Johnny, passando até por críticas políticas e religiosas, o enredo é redondo, enxuto, e a direção de Cronenberg é bastante competente. E, cada um dos atores encarnou muito bem seus respectivos papéis, em especial, Christopher Walken, que faz um Johnny ora indeciso diante de sua condição, ora triste por ter um dom que poderia até ajudar as pessoas, mas, que está sugando sua vida. Uma interpretação digna de um ator que sempre foi meio subestimado.




"A Hora da Zona Morta" pode ser colocado como um dos melhores filmes dos anos 80, e um dos mais interessantes da carreira de Cronenberg, o que não é pouco. Abordando temas dos mais variados de maneira simples, mas, muito direta e eficiente, ele coloca no chinelo muitas dessas produções atuais, que querem dizer mais do que podem, e são claramente vazias de conteúdo. Uma pequena obra-prima para ver e rever quantas vezes forem necessárias.


NOTA: 9/10

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