Debate Sócio-Político

POR QUE A CAUSA GAY INCOMODA TANTO?


Algumas coisas parecem sem importância apenas por tratarem de uma minoria. O conceito deturpado de democracia nos leva a isso: a acharmos que um sistema democrático seria a maioria impondo seus dogmas e opiniões ao restante. Porém, é preciso salientar que o fundamento da democracia é bem mais amplo do que isso, e que visa construir e manter os direitos de qualquer cidadão, sendo ele pertencente a muitos ou a poucos.

Tendo como base esse preceito, fica incompreensível que certos grupos como o dos gays, por exemplo, ainda precisem lutar bastante por algo que, num Estado mais justo, seria natural, como o casamento civil e a adoção de crianças, passando pela simples (mas. importante) integridade física do cidadão. Por um viés mais humanista, chega a ser incrível que hoje um debate desses persista (e, com muita força).

Por que a causa da comunidade gay incomoda tanto?

Tanto a discriminação quanto o preconceito têm suas formas de se perpetuarem. Seja de uma maneira velada e sutil, seja por algo mais escancarado, como numa "inofensiva" piada. A questão é que, atualmente, a comunidade gay, ao contrário de antes, não está passiva quanto aos seus direitos. E, por não estarem mais calados, a exposição é maior assim como o risco de agressão.

Por ser um comportamento moral, o homossexualismo não deveria ter restrições no acesso a certos direitos e no cumprimento de certas leis. Porém, quem faz parte desse grupo possui exigências que acabam esbarrando em interesses de terceiros, como a ala religiosa, em especial, à comunidade cristã. Eis aqui um caso bem emblemático: o do Pastor Silas Malafaia:

http://noticias.gospelmais.com.br/pastor-silas-malafaia-causa-gay-foi-para-saco-72727.html

Com a ascensão de membros da comunidade evangélica a cargos políticos, e com a crescente influência de líderes religiosos desse meio no âmbito social (vejam como Malafaia e Bolsonaro são bem conceituados entre uma boa parcela da população), alguns pautas que dariam direitos aos homossexuais estão sendo, sistematicamente barradas.

A famigerada PLC-122, que criminalizaria a homofobia é um bom exemplo disso. Claro que era uma lei que precisava ser mais amplamente debatida e modificada em alguns aspectos, mas arquivaram o projeto sem direto a diálogo, e pronto. Sem direito a conversa e com o teor de agressividade típico de quem é um típico fundamentalista.

Seguem alguns links para esclarecer melhor essa questão da PL 122:

http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,governo-nao-agiu-por-causa-gay-diz-entidade,1553849

http://catavento.me/pl-122-entenda-a-criminalizacao-da-homofobia/

Alguns talvez não achem necessária uma lei que criminalize a homofobia, mas tomemos o argumento de que ninguém é agredido ou morto por ser heterossexual. Já, o contrário é muito frequente. O assassinato de gênero, principalmente, envolvendo transexuais e travestis, é uma realidade que ainda persiste e os números estão aí para provar isso.

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/11/gays-sao-espancados-por-15-homens-metro-de-sao-paulo.html

No entanto, mais uma vez, temos que ter em mente que há um jogo político aí. Muitos dos que são publicamente contra os gays estão pleiteando cargos na política, ou sentem a necessidade de estarem num grupo que tenha poder. Se não, vejamos: quase 30% das concessões de rádio e TV no Brasil pertencem a grupos religiosos, notadamente, evangélicos. Cerca de 14 mil novos templos são erguidos por ano no país. E, temos uma bancada exclusiva dos evangélicos no Congresso.

Portanto, é natural apreciar o fato de estar numa parcela da população que vem crescendo em número e em estrutura de poder. O problema é que, junto com esse crescimento, vem a influência de leis que regulamentem a sociedade com base em suas ideias. Como o homossexualismo é visto como pecado pelas denominações cristãs, ele é visto como ameça à sociedade, e por isso, acham por bem combatê-lo.

Só que nem todos os cristãos pensam assim, como bem prova Rob Bell, ex-pastor da Igreja Mars Hill e um dos mais influentes pregadores do movimento “igreja emergente”. Numa de suas palestras, ele afirmou: "Algumas pessoas são gays. Eles são nossos irmãos e nossas irmãs, e nós os amamos." Ainda no mesmo evento, ele foi categórico: "Sempre achei que algumas pessoas simplesmente são gays. Deus as ama como Deus me ama. Eles são discípulos apaixonados por Jesus, assim como eu estou tentando ser. Por isso, devemos todos juntos fazer algo sobre os problemas realmente grandes de nosso mundo. Acredito que é isso que Jesus deseja que  enfrentemos juntos."

Outros exemplos como o de Rob Bell não faltam. Entende-se, portanto, que não há, sequer, unanimidade entre os próprios cristãos nesse aspecto. É só constatar o documento recente preparado pelo Vaticano sobre o respeito que deve ser dado aos homossexuais:

http://oglobo.globo.com/sociedade/religiao/documento-do-vaticano-diz-que-gays-tem-dons-atributos-oferecer-igreja-14231397

É bom constatar que a legislação que trata de pessoas LGBT varia de acordo com a cultura de cada país. Desde países que criminalizam a homossexualidade com a pena de morte, tais como, a Arábia Saudita, a Mauritânia ou o Iêmen, até aqueles países que já legalizaram o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, como Países Baixos, Espanha, Canadá ou Uruguai, este ainda é um assunto polêmico a ser tratado no Brasil, mas que, como se vê, não é através do fundamentalismo religioso que ele pode ser debatido com clareza.

A evolução pelo mundo é latente e precisa continuar. As principais organizações mundiais de saúde, incluindo muitas de psicologia, não mais consideram a homossexualidade uma doença, distúrbio ou perversão. Desde 1973, a homossexualidade deixou de ser classificada como tal pela Associação Americana de Psiquiatria. Em 1975 a Associação Americana de Psicologia adotou o mesmo procedimento, deixando de considerar a homossexualidade como doença.

No dia 17 de Maio de 1990, a Assembléia-geral da Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade da sua lista de doenças mentais. Por fim, em 1991, a Anistia Internacional passa a considerar a discriminação contra homossexuais uma violação aos direitos humanos.

Em suma, se há, pelo menos, 40 anos, boa parte dos países trata o homossexual de maneira natural, conferindo a ele todos os benefícios aos quais tem direito, cabe o Brasil, que se diz democrático e laico, acompanhar essa linha e não deixar que dogmas se interponham no bem-setar do cidadão.


Erick Silva

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