Dica de Filme

O Senhor das Armas
2005
Direção: Andrew Niccol


"Há mais de 550 milhões de armas de fogo em circulação no mundo. Uma arma para cada 12 pessoas no planeta. A única pergunta é: como armaremos as outras 11!"

Numa época que os conflitos bélicos estão virando a expressão máxima de nossa irracionalidade, mas, ao mesmo tempo, estão ficando cada vez mais "pop's", uma das melhores coisas a fazer é assistir uma produção que se aproveita bem desse nosso cinismo para cuspir na cara algumas verdades sobre o famigerado comércio de armas. "O Senhor das Armas" nos oferece munição (perdão o trocadilho) para diálogos sobre o assunto, e mesmo assim não é uma experiência cinematográfica chata ou partidária.

O início do filme acompanha a confecção de uma bala, e sua consecutiva "viagem" de forma clandestina, até atingir a cabeça de um menino, que está lutando numa dessas guerras civis que vemos pela TV, enquanto jantamos no conforto do lar. Já, diante dessa sequência, podemos perceber duas palavras-chaves na produção: ironia e criatividade. É notório o uso de frases de efeito em filmes norte-americanos, e, realmente, são bastante irritantes. Aqui, não. Essas frases servem como elo entre as cenas, como uma explicação adicional (mas, nunca vazia) a respeito do universo que ronda o personagem principal.


Por falar nele, trata-se de Yuri Orlov, que se encarregará da ironia já citada. Sua noção de mundo baseia-se em quanto pode lucrar com o que estiver a seu alcance, sem se preocupar com qualquer implicação moral nisso. É pensando assim, que parte para o ramo de venda de armas de fogo, mas, não para gangues, que segundo ele, é um "mercado pequeno". Ele passa a comercializar com países inteiros! É bom lembrar que essa época retratada no filme é o início dos anos 80, com a Guerra Fria ainda como uma realidade que apavorava as nações. "Um ambiente proveitoso", diria Orlov.

Só que, a medida que o tempo passa, além dele ganhar mais dinheiro e poder, ele vai ficando mais isolado. Pai, mãe, irmão, esposa e filho vão sendo colocados em segundo plano. Uma cena que exemplifica bem isso é quando, pela TV, Mikhail Gorbachev anuncia o fim da União Soviética, e o consequente término da Guerra Fria. Na cabeça de Orlov um arsenal de décadas estava à disposição para ser revendido em todo o mundo. E, ele estava certo. Só que, enquanto via essa notícia, sua esposa dizia que o filho deles tinha acabado de dar os primeiros passos, e ele se mostra indiferente diante disso.


Outro aspecto interessante a ser ressaltado na vida do protagonista é o que se refere ao seu irmão mais novo, Vilary, que, aos olhos de todos, não passa de um desajustado, viciado em drogas, e irresponsável. Porém, ele é o mais próximo que Orlov consegue chamar de amigo, onde este mostra-se, muitas vezes, mais coerente e virtuoso do que seu irmão mais velho.

"O Senhor das Armas" também possui cenas marcantes, onde o uso de algumas metáforas potencializa a crítica à indústria armamentista. Numa determinada ocasião, Orlov é obrigado a usar cocaína com a pólvora das suas próprias balas. E, é fora de si, com o produto com o qual ganha a vida em seu corpo, que ele vagueia entre as pessoas de um vilarejo africano, atingindo pelas guerras que ele mesmo ajudou a construir.



Outro aspecto importante na produção é a trilha sonora, que além de oferecer "som ambiente" às cenas, ainda desempenha um importante papel narrativo. É só escutar "Cocaine", de Eric Clapton e "Hallelujah", do Jeff Buckley , unidas às sequência em que estão inseridas para comprovar. O diretor Andrew Niccol, o mesmo de "Gattaca - Experiência Genética" e "O Show de Truman", faz um ótimo trabalho, só perdendo um pouco o foco quando mostra de forma exagerada o romance entre Orlov e Ava Fontaine, sua esposa. Os atores encarnam com bastante leveza seus papéis, com destaque para Ethan Hawke e Nicolas Cage (num do últimos filmes realmente bons ele que fez).

Em geral, o filme consegue seu intento de mostrar o que se passa no submundo do tráfico de armas, conseguindo indignar justamente porque seu protagonista não é o herói, mas sim o vilão da estória. Contudo, ele acaba sendo um vilão menor diante de tantos outros que precisam que ele exista. Num período onde a faixa de Gaza ou a Ucrânia parecem estar mais perigosamente perto de nós, "O Senhor das Armas" acaba sendo mais do que relevante.



NOTA : 9/10

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