Dica de Disco

Jesus não tem Dentes no País dos Banguelas
1987
Artista: Titãs


Este disco aqui foi lançado depois da consagração dos Titãs como uma das principais bandas de rock da década de 80 com o álbum "Cabeça Dinossauro", e antes deles se tornaram uma banda mais garageira e menos pop nos pesadíssimos "Tudo ao Mesmo Tempo Agora" e "Titanomaquia". Contudo, "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas" está a frente de todos em termos de qualidade, pois os Titãs conseguiram com ele um equilíbrio entre uma linguagem mais direta e o peso e a atitude que se tornaram suas marcas registradas.

Ele já começa com uma batida eletrônica em "Todo Mundo quer Amor" para emendar a bastante conhecida "Comida", uma canção que resume bem esse trabalho do grupo: com uma letra simples, mas cheia de significados, e com o nível de provocação necessário. A composição grita: "A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte / A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte".


"O Inimigo", com seu andamento soturno é muito bem executada. Já "Corações e Mentes" e "Diversão" flertam com temáticas como a manipulação das pessoas por quem detém alguma forma de poder e a futilidade cotidiana. Eis que surge "Infelizmente", uma das melhores músicas do disco em termos de letra. O compositor dela, Sérgio Britto, estava afiado: "Não advinhas de quem és escravo / Nem o que pode causar tal estrago / Eu sei porque vives feliz e calmo / É porque achas que estás são e salvo".

A canção que dá título ao álbum é uma verdadeira viagem de Marcelo Frommer e Nando Reis, onde este repete inúmeras vezes a mesma frase, como se fosse um mantra a ser seguido. O intrumental está muito pesado nela. "Mentiras" é mais uma cuja letra merece respeito: "Querem me curar do que eu não sofro, / Querem me julgar pelo que eu fiz. / Querem me salvar, mas eu só ouço, / Querem me ensinar como se diz / Mentiras!"


As 4 músicas finais do disco são as melhores e, não coincidentemente, as mais eletrizantes dele. "Desordem" é um esporro crítico-social que tanto faz falta hoje em dia: "São sempre os mesmos governantes, / Os mesmos que lucraram antes. / Os sindicatos fazem greve / Porque ninguém é consultado, / Pois tudo tem que virar óleo / Pra por na máquina do estado". A canção "Lugar Nenhum" é daquelas que funcionam muito bem ao vivo, devido à sua energia. Com um riff de guitarra poderoso, ela não deixa nada a dever às bandas de rock mais pesadas do país. Tanto é que, anos depois, num show com o Paralamas do Sucesso, os Titãs a tocaram com Andreas Kisser, do Sepultura.

"Armas pra Lutar" é outra que mescla muito bem uma sonoridade vibrante e pesada com uma letra de alto teor crítico: "Não preciso ser alguém, / Eu consigo viver sem / Armas pra lutar. / Prosseguir desarmado, / Suportar desarmado, / Desarmado, sem armas pra lutar". Por fim, temos o ápice do álbum com "Nome aos Bois", que vai na mesma linha da faixa "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas", só que melhor. A composição simplesmente tem só nomes de algumas pessoas "peculiares" de nossa história, como Garrastazu, Stalin, Franco, Adolf Hitler, Idi Amin e Fleury. Um fechamento mordaz e forte, sem dúvida.


Sabendo muito bem dosar a revolta com composições simples, e porque não dizer, populares, os Titãs conseguiram um feito que poucas bandas no Brasil alcançaram: fazer o ouvinte pensar, sem que o discurso soasse cabeçudo, chato ou clichê. E, como álbum de rock, "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas" é irretocável do começo ao fim. Por ele, chegamos até a perdoar os (muitos) erros que a banda viria a cometer no futuro, quando descobriram que podiam vender milhões e tocar em novelas. Afinal, este disco aqui já vale por uma carreira inteira.


NOTA: 9/10

Comentários